Sussurros de um anjo
Uma vida interrompida – memórias de um anjo assassinado
Eu li só o primeiro capítulo. Mas já foi o suficiente. Não consegui passar para o capítulo seguinte. Mas também não consegui fechar a página que estava o livro. Ela ainda está ali, aberta. Esperando que eu tome fôlego e distância da história. Por que é uma história pra ser lida. Não por que é uma boa história, apesar de ser. É principalmente pela forma como é contada.
Uma vida interrompida – memórias de um anjo assassinado, de Alice Sebold. Você já deve ter visto o trailer ou ouvido falar da sua adaptação para o cinema – Um olhar do Paraíso, dirigido por Peter Jackson. É a história de Susie Salmon, uma menina que foi estuprada e assassinada quando tinha apenas 14 anos de idade. Não é uma história incomum e talvez não tivesse tanto destaque nem causasse um efeito tão forte se não fosse narrada pela menina.

A adaptação do livro de Alice Sebold para o cinema receberá o nome de “Um olhar no paraíso”
Susie conta, já no seu céu particular, sobre o estupro e o assassinato e tudo que veio depois. Como a família se desestruturou. Como seu irmão de quatro anos não entendeu nada e ainda espera que a irmã mais velha volte de viagem. Como sua irmã pouco mais nova passou a ser olhada pelo assassino. Como ninguém tinha pistas sobre o que tinha acontecido com ela.
E Susie conta tudo isso com ingenuidade e doçura. E um certo distanciamento. Não como uma história sem importância. As coisas só parecem não ser mais tão importantes assim. Ela fala do acontecido com a certeza de que não pode mais ser afetada por ele – como disse Teté Ribeiro no prefácio.
À medida que conta da violência que sofreu, ela nos deixa ver um pouquinho mais sobre a menina Susie. Com uma naturalidade que nos agride, ela intercala: narra seus sonhos, sua personalidade e seu passado e, ao mesmo tempo, conta o seu último momento de vida, o desenrolar do mistério e a dor da sua família.
“O Sr. Harvey começou a apertar os lábios nos meus. Eles estavam inchados e molhados e eu queria gritar, mas estava com medo e exausta demais para lutar. Eu já tinha sido beijada uma vez por alguém de quem gostava. O nome dele era Ray e ele era indiano. (…)” p.24.
A história de Susie não é contada, me atrevo a dizer. É sussurrada. Bem no seu ouvido. E desce pela coluna, causando arrepios na alma. Quando terminar o livro, conto se esse alarde todo realmente procede.
Autora – quase um personagem
Alice Sebold foi estuprada quando tinha 19 anos de idade e estava no primeiro ano de faculdade. Teve mais sorte do que várias outras mulheres que tinham sido estupradas e mortas no mesmo beco que ela sofreu a violência. Foi o que escutou na delegacia. Anos depois, escreveu Lucky: a memoir. Segundo Teté, escreveu este livro – bem mais duro – para que The Lovely Bones (título original de Uma vida…) pudesse trazer a história suave e doce de Susie.
Thais Marinho
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Por coincidência, vi esse filme ontem e confesso que não gostei muito.
Só sabia que a menina tinha sido estuprada pq alguma resenha mencionava isso… Acho que é como a Dê falou, o filme perde muito do drama pq não se tem dimensão da violência que ela sofreu…
Além disso achei que eles focaram demais nessa parte do “céu particular” dela. Eles tentam criar umas imagens espetaculares – e realmente, são muito bonitas – mas parece que o filme ficou viajado demais. Um dos comentários que ouvi foi “Esse filme deve ser doido de ver se a gente fumar um”.
Acho que no meio dessa confusão coisas que devem ser mais fortes no livro – como a questão da violência e da desestruturação familiar – se perdem…
Fiquei com vontade de ler o livro. Mas pelo que vc começou a descrever, acho que tem que ser em um momento em que eu estiver super de bem com a vida, né?rs
Na Veja dessa semana saiu uma crítica sobre o filme, e falava que a adaptação para os cinemas não dá conta de representar tão bem a dramaticidade do livro exatamente pq pula a parte da descrição do estupro.
Eu não gostei do filme, mas só pelo você já contou noto que é mais um problema de adaptação do que da história em que é inspirado (como sempre). Me deu vontade de ler. Farei isso ^^