Uma viagem literária pela Argentina
Escondidos entre as linhas borgeanas, encontrei a Argentina e os argentinos

Voltei. E, como uma boa aficionada por leitura, com excesso de bagagem por conta de livros. Minha temporada em terras hermanas, além de uma experiência pessoal e acadêmica muito forte e interessante, foi uma viagem literária. Com mais tempo livre, eu podia me dar ao luxo – com frequência – de me estirar no solzinho do parque ou me sentar num café em dia de chuva e ler por puro prazer.
Li muito e, claro, muita literatura argentina. Dois autores me marcaram especialmente: Jorge Luis Borges, como já falei um bocado por aqui, e Selva Almada
. Escondidos entre as linhas borgeanas supostamente universais, eu encontrei a Argentina e os argentinos. Entrevi um povo marcado pela imigração europeia, característica forte da região rioplatense, onde eu estava. Vi o cosmopolitismo de Buenos Aires e a llanura do interior, com a figura do gaucho e a sombra da colonização, da independência e das subsequentes guerras civis. De Borges, li Ficções
(1944) e passeei por O Aleph
(1949) e O Informe de Brodie
(1970), concentrados nos Cuentos completos
, além de poesias e ensaios soltos e prólogos, surpreendentemente deliciosos, em Prólogos com Um Prólogo de Prólogos
.
Selva Almada, com esse nome forte e bonito, me mostrou a vida – ou uma faceta de muitas vidas – de uma chica de província. Sua prosa simples, ao mesmo tempo suave e dura, com imagens claras e subitamente poéticas, me transportou para os pueblitos argentinos, para a vida calma e íntima de um domingo quente, dia de assado, vinho gelado e mate. Em Chicas muertas, a autora me trouxe, num flerte entre a crônica e a ficção, a violência contra a mulher, no seu extremo e no que ela tem de mais cotidiano. Essa violência que não é só argentina, nem só brasileira, nem só latino-americana. Não foram poucas as vezes que meus olhos se encheram d´água e minha garganta se fechou num nó.
Mexida, comecei a brincar de traduzir o seu espanhol rioplantense do interior para o português, ansiosa para que outros, meus conterrâneos, pudessem também ter contato com esse texto e essas histórias. Apenas mais um de seus livros foi traduzido para a nossa língua – e causou tanto reboliço aqui quanto quando foi lançado na Argentina. O Vento que Arrasa não é a primeira obra publicada da escritora, mas foi com ele que Selva ganhou renome na sua e em outras terras.
Li outros livros e outros autores, mas a Argentina – ou a minha experiência ali – está muito marcada por esses dois nomes. Folheando hoje as páginas lidas, consigo refazer, não sem saudade, os lugares por onde passei, as pessoas que conheci, as aulas na faculdade e as conversas regadas a vinho, lisos ou mate. Voltei. Mas trouxe muito – e, claro, me deixei um pouquinho também.
Thais Marinho
Últimos posts por Thais Marinho (exibir todos)
- 6 podcasts sobre literatura para ouvir em qualquer lugar - 19/08/2016
- Leia mulheres! - 04/08/2016
- Uma viagem literária pela Argentina - 02/08/2016